São Tomé: Caminhada no Parque Natural Obô





Nunca na minha vida tomei tanto banho de repelente como no dia em que fomos fazer a caminhada no Parque Obô. A ideia do nosso guia era levar-nos ao topo de um monte para avistar a Lagoa Amélia, na cratera de um vulcão. Saímos de casa bem cedo, tomámos o pequeno-almoço no local da praxe, a Pastelaria do Miguel Bernardes, e o nosso guia lá apareceu mas com cara de caso... Tinha sido abordado por um inglês que estava na ilha em serviço e tinha o dia livre para passear e gostava de saber se ele podia ir connosco fazer o passeio. Claro que podia! E não poderia ter sido melhor ideia. Além de dividir as despesas connosco, o Nigel, pessoa na casa dos cinquenta, era uma pessoa interessantíssima com imensas histórias de vida para contar. E foram mais de quatro horas de caminhada, deu para ouvir muitas histórias. Acontece que este inglês trabalhava numa agência de segurança marítima e estava em São Tomé a acompanhar umas reuniões com empresas petrolíferas. Parece que há bastante petróleo para explorar na região... 



Foram quatro horas e meia de caminhada, a contar com a subida e a descida, com inúmeras paragens para ver pássaros, insectos (teias de aranha monumentais!) árvores, flores e outras plantas que nunca tinha visto. Foram mais de quatro horas sempre na iminência de escorregar.... Todos nós, à excepção do guia, malhámos mais do que uma vez, o que é muito fácil de acontecer quando o terreno é acidentado, repleto de troncos e raízes traiçoeiras e muita humidade. É pois fundamental levar sapatos com boa aderência, roupa que nos tape bem as pernas (fazem-se várias razias a fetos, arbustos e plantas espinhosas), repelente, máquina fotográfica, água e comida para fazer o belo do piquenique no topo com vista para a Lagoa que, afinal, não se vê por estar tapada com vegetação...grunf....só soubemos quando estávamos lá em cima. Mas pelo convívio, pelos pássaros e flores exóticas e pelo exercício físico, valeu a pena! E não nos cruzámos com mais ninguém durante a caminhada.

Vi alguns destes pássaros, são todos bem pequeninos.
 Das 55 espécies residentes na ilha, 15 são endémicas.
Cogumelos num tronco de árvore
Uma flor de aspecto jurássico!





Uma tatuagem "biológica"
Aquela clareira lá em baixo é a cratera do vulcão onde fica
a Lagoa Amélia. Da Lagoa, não se vê nada de nada...


- A Reserva Natural foi criada em 2006 e cobre 30% da superfície do país, incluindo também uma parte da ilha do Príncipe.
- Incluí diferentes ambientes paisagísticos: florestas, planícies, manguezais, montanhas e savana.
- O Parque é considerado um santuário de flora e fauna, possuindo várias espécies endémicas, como algumas orquídeas.
- O período mais favorável para visitas é na estação seca:, de Dezembro a Janeiro e de Junho a Setembro.


Zona Norte de São Tomé: Neves, Anambó e Santa Catarina



As casas são quase todas construídas sobre estaca. De dia anda tudo à solta, mas ao entardecer a bicharada sabe toda qual é a sua casa e é vê-los refastelados junto às estacas. Não existem pocilgas nem galinheiros. Homens e animais convivem em plena harmonia. E ninguém passa fome, porque há sempre fruta pão, jaca, mandioca, banana e mata bala por tudo quanto é lado. É pois perfeitamente normal abrandar o jeep para deixar passar a porca com os seus leitõezinhos, a galinha com os pintos, a pata com os seus patinhos, a cabra com os cabritinhos... Chega a ser hilariante quando calha um verdadeiro zoológico destes atravessar-se na nossa frente na estrada! Melhor, só mesmo saber que isto também se passa em pleno Ilhéu das Rolas. A minha amiga T. contou-me, divertida, que quando foi passar um fim de semana ao Pestana das Rolas, passou uma porca com os seus leitõezinhos junto à piscina! 
Mulheres a encherem bilhas com água das fontes.
Por volta do meio-dia, chegámos finalmente ao famoso Restaurante Santola, na cidade de Neves, a segunda maior cidade da ilha. Não fazia ideia do que me esperava, para além da dita da santola. O restaurante fica no meio de um bairro pobre, numa zona sem estrada de alcatrão, numa casa de madeira muito simples, sem grande apresentação. Mandámos vir cerveja nacional e depois vieram as travessas com umas santolas grandes, cozidas com sal, que souberam às mil maravilhas. A partir das uma da tarde, começaram a chegar mais pessoas, entre eles um grupo de portugueses. Não foi preciso muito para que, passados uns minutos, já estivéssemos todos à conversa. Descobrimos que tínhamos viajado no mesmo avião e que iríamos regressar também no mesmo. Aliás, isto ao longo da semana foi uma constante, conhecer pessoas que tinham ido na TAP e iriam regressar na TAP. Como a ilha é pequena, houve pessoas que encontrámos mais do que uma vez. Enfim, deu para sentir que este é o segundo país mais pequeno de África, a seguir às Seychelles.



Senhora a assar banana-pão à porta do restaurante

Consoladinhas com o almoço, deixámos Neves rumo a Anambó, para visitar o padrão que assinala o local onde, em 1470, João de Santarém e Pêro Escobar desembarcaram em São Tomé. 


Uma roça à beira mar
O padrão de Anambó
Um tasco que se chama "Viva a boa vida". Também por um que se chamava
"A Vida é difícil" e outro que se chamava "Haja saúde".

Já ao final do dia (anoitece por volta das 17h00, estamos no Equador)
Euzinha junto a uma das várias cascatas que existem na estrada costeira.
Como é que eles conseguem ter dentes tão brancos??!!!
Reparem no tamanhão das jacas (foram as maiores que vi até hoje!)
e na originalidade da bicicleta de madeira

O dia terminou com a visita a mais uma Roça (elas são tantas...),a uma praia que tem um navio encalhado e que preferia não ter conhecido (servia de caso de banho pública a uma povoação...contei seis pessoas de cócoras na areia) e ao local onde se deu o massacre de Batepá.





E uma vez mais, ouviu-se o grito de guerra  "Brrráncá, dá doce!"






O que resta da Roça Fernão Dias






Nunca mais me vou esquecer de um episódio que se passou na Roça Fernão Dias quando tomava um banho de crianças, literalmente, que se divertiam a ser fotografadas. Às tantas, vejo um miúda com uns 5 anos que é uma autêntica boneca, com uma cara lindíssima e um sorriso deslumbrante. Começo a falar com ela sem reparar que a mãe dela me estava a observar, afastada. A senhora aparece de repente e desafia-me a levar a miúda comigo. "Leva ela! Leva ela para casa!". Oops...fiquei sem fala... E mais tarde comentei o sucedido com várias pessoas que me disseram que isto é normal. Há pais que vendem ou oferecem as crianças, sabendo que podem ter uma vida melhor...

Zona norte de São Tomé: Roça Bela Vista, Roça Agostinho Neto e Lagoa Azul

Roça Bela Vista

Enquanto estive em São Tomé, fiz 3 passeios de dia inteiro com guia. No primeiro dia fui para norte e noroeste da cidade de São Tomé. No segundo dia fiz uma caminhada de várias horas no Parque Ôbo e no terceiro fui para sul. No primeiro dia, a Roça da Bela Vista foi o primeiro local de paragem. Foi também a primeira roça de cacau que visitei. Ainda funciona, embora esteja já  a meio gás. Deu para perceber que as roças eram muito mais que unidades de secagem de sementes de cacau. Eram autênticas mini-cidades com escolas para os filhos dos trabalhadores, hospital, serviços administrativos, cantinas, sanzalas (casas para os trabalhadores) e grandes casarões onde viviam os chefes de capitanias.Algumas roças ainda estão a funcionar, dedicando-se à produção de cacau, café, grogue, flores, frutos e especiarias, outras foram adaptadas a hotéis de charme, outras estão em via de o vir a ser e outras estão em ruínas... Vi umas quantas que mesmo a cair aos pedaços deixavam entrever como foram bonitas e majestosas noutros tempos. Dá vontade de ficar com elas todas e fazer-lhes um "Extreme Make Over". Mas são quase todas pertença do Estado, salvo raras excepções. E consta que existem já "n" projectos para as salvar. Até lá, continuam a escavacar-se....

O terreiro para secagem das sementes
de cacau da Roça Bela Vista
As estufas que vieram substituir os terreiros de secagem

Depois de visitar esta roça, seguimos mais para norte, passando por vários rios, ribeiras e riachos onde se viam, quase sempre, mulheres a lavar roupa. Não admira que a ilha seja estupidamente verde, existe água por todos os lados!


Cruzei-me infinitas vezes com árvores carregadas de jacas
e fruta pão.  Ao final do dia, anda imensa gente à beira da estrada
de catana na mão e jacas na cabeça

A segunda roça que fui visitar foi a mais espectacular de todas. E ainda vi umas quantas. É conhecida por Roça Agostinho Neto, embora também lhe chamem Antiga Rio d'Ouro. Fui fundada em 1865 por Gabriel Bustamante e é talvez a maior e mais bem conservada de todas. A partir de 1877, foi explorada pelo Marquês de Vale Flor que em 1882 compra também a Roça Boa Vista. A Roça fica apenas a 10 km da capital de São Tomé, no distrito de Lobata e perto da cidade de Guadalupe. Foi construída num declive e contém hospital, maternidade, igrejas, centros de convívio, armazéns, garagens, centro de pesquisa de doenças infecto-contagiosas (morria imensa gente com malária...), escritório, bancos, serralharia, central eléctrica, jardim botânico e inúmeras sanzalas, claro, edificadas em socalcos. É grandiosa e depois deu para imaginar como seria no seu auge, quando aqui trabalhavam cerca de três mil pessoas.


A avenida principal vai dar ao edifício do Hospital 

As meninas a posarem para a foto. Ao contrário dos adultos,
as crianças adoram ser fotografadas. "Mostra! Mostra!Mostra!"

O café foi introduzido na ilha de São Tomé em 1800 e o cacau em 1822. Mas de início o cacau era considerado uma planta ornamental. Só em 1851 é passou a ser cultivado para consumo. As plantações eram trabalhadas por escravos. Os primeiros escravos vieram para a ilha no séc. XVI para trabalhar nas plantações de cana de açúcar e vieram de angola, Cabo Verde e Congo, motivo pelo qual existem pessoas mais claras e de cabelo ruivo, mais escuras e de cabelo louro, enfim, uma misturada engraçada que acabou por influenciar os hábitos alimentares e culturais.
Em 1869 a escravatura foi oficialmente abolida. Mas na prática continuou a existir, embora com outro nome. Os escravos passaram a ser designados por "contratados". Os trabalhos forçados continuam a ser uma realidade até se darem várias revoltas e greves contra o colonialismo. Em 1953 houve uma revolta que ficou célebre por motivos tristes... Uma chacina, ordenada pelo coronel Carlos Sousa Gorgulho, que provocou mais de mil mortes. Ficou para a História como o massacre de Batepá e tive a oportunidade de visitar o local no terceiro passeio que fiz. Parece que a palavra "Batepá" bem de "Bate pá!". Está tudo dito...
Uma igreja para nós, uma escarpa apetecível
para as cabras dos arredores.
A degradação do edifício principal é bem visível.... mete dó.
As sanzalas da Roça Agostinho Neto
Garagens e oficinas



A Lagoa Azul vista da estrada




Depois de visitar esta Roça, fomos em direcção à Lagoa Azul onde nos aguardava uma água turquesa e cristalina, perfeita para fazer snorkeling. No caminho, enquanto comentámos a quantidade de locais por esse mundo fora que recorrem a este nome - "Lagoa Azul", passámos por uma zona onde a paisagem mudou por completo. O guia disse-nos que estávamos numa savana porque ali poucas árvores conseguiam vingar. Deu para ver ários imbondeiros, nunca tinha estas árvores ao vivo e a cores e senti-me mesmo...em África! Depois parámos em Guadalupe num Restaurante à beira da estrada - o Restaurante Celvas - para beber alguma coisa fresca. Não almoçámos aqui porque quisemos ir a Neves ao célebre "santola", mas depois, mais tarde, ouvimos dizer que as refeições do Celvas valem bem os 15 euros por pessoa. Mas já estávamos de ideia fixas no Neves e não nos arrependemos nadinha de lá ter ido!


O jardim do restaurante "Celvas" tinha imensas rosas-porcelana

A Lagoa Azul mereceu bem a paragem e teve o especial sabor de ser o nosso primeiro banho de mar em São Tomé. Se lá forem, é conveniente entrar com sandálias na água porque não existe areia, apenas pedras. Ou seja, não é propriamente o melhor local para ficar a apanhar banhos de sol. Para isso, mais vale ir paras praias vizinhas. e neste aspecto, a Praia dos Tamarindos e a das Conchas são as mais elogiadas. Mas voltando à Lagoa Azul, a entrada pode ser agreste mas depois de entra na água, suficientemente morna para nãos ficarmos com frio mas suficientemente fria para refrescar, garanto-vos, o tempo passa a voar... Há imensos peixinhos de várias cores, tamanhos e feitios e até raias. A água não é muito profunda e a visibilidade é excelente! Se tivesse levado uma máquina fotográfica à prova de água, tinha tirada altas fotos. Ainda pensei em dar um pulo à FNAC mais próxima...