Murayama. Não negue à partida um ryokan que desconhece!

O quarto onde fiquei
O serviço de chá com docinhos tradicionais



A televisão que nem nunca foi ligada


Em cima, uma imagem dos banhos femininos (onsen) do Ryokan Murayama, com água bem quente sempre a escorrer das torneiras. Estive aqui uma boa meia hora de molho, sózinha, tal como vim ao mundo. Agora imaginem estes banhos ao ar livre, em tanques bem maiores do que este, de pedra vulcânica, simulando lagos, ou aproveitando cursos naturais de água termal,  com vista para os Alpes japoneses. É o que mais há nos arredores de Takayama, como se pode ver aqui a partir de 1'45''. 

O "onsen", os banhos tradicionais japoneses, exigem
que se cumpram várias regras de etiqueta. 
Sarubobo, amuletos tradicionais
 de pano, típicos de Takayama

Assim que comprei os bilhetes de avião para Tóquio, já com ideias de ir assistir ao Festival de Takayama, em Outubro, comecei logo a pesquisar hotéis nesta cidade. Ora isto de pesquisar hotéis passou-se em finais de Abril, inícios de Maio. Mas, para meu espanto, já estava quase tudo esgotado! Céus, ainda faltavam  cinco meses!!! Este foi o meu primeiro baque. O segundo baque foi ver os preços médios dos poucos hotéis que restavam, quase todos a roçarem valores indecentes para uma mera ocidental.... Ora bem, foi neste momento que disse de mim para mim "Ou optas por um alojamento mais em conta, como um ryokan, ou mudas o percurso da viagem e tiras Takayama da cabeça". Mas não me apetecia nada alterar os planos, pelo que decidi investigar mais sobre os ryokans. Limpos seriam, porque no Japão até uma casa de banho pública de uma estação de metro frequentada por milhares de pessoas está imaculadamente limpa. A limpeza nunca, jamais, seria um entrave. Mas preocupava-me a questão do espaço e o conforto. Espaço, porque os quartos costumam ser mínimos, conforto porque nunca tinha dormido num futon. Pois é, ironia das ironias, mal sabia eu que as duas noites que passei no Ryokan Muryama, na vila de Hida Takayama, seriam as mais bem dormidas de toda a viagem.



A sala de refeições
A fachada do ryokan e a carrinha de transportes de hóspedes

Reservei duas noites que não foram propriamente baratas, cerca de 120 euros cada, para duas pessoas. Mas era o preço a pagar pela época alta devido ao festival. Assim que chegámos, tirámos os sapatos e cruzámo-nos com outros hóspedes ocidentais, alguns deles vestidos de yukata, os robes tradicionais japoneses de andar por casa. Depois, levaram-me a ver o meu quarto que era tão grande, mas tão grande, que achei que se tinham enganado. Até tinha casa de banho privativa e Wi-Fi que funcionava às mil maravilhas. O dono do ryokan era de uma eficiência tal que parecia adivinhar os nossos pensamentos. Mal abríamos a boca para perguntar alguma coisa, já ele nos estava responder. Era um verdadeiro "faz tudo" que ora vestia a pele de motorista, ora de recepcionista, ora a de bagageiro, ora a de cozinheiro. A nós deu mais jeito a versão de motorista. Foi-nos buscar à estação de comboio quando chegámos e depois foi-nos levar e buscar ao festival, juntamente com outros hóspedes, o que deu um jeitão. O ryokan fica a cerca de 30/35 minutos a pé do centro. Mas melhor que sentir este tratamento de primeira, foi a noite maravilhosa que o futon me proporcionou depois de estar mais de meia hora de molho em água bem quente. Uma receita que faz milagres. E eu cheia de preconceitos com os ryokans. Não só adorei a experiência, como faço questão de repetir da próxima vez que voltar ao Japão. Acho que já escrevi estas palavras, "da próxima vez", mais de dez vezes e ainda só vou a meio do relato da viagem...

A vista do ryokan
As hortas em redor do ryokan

Circuitos pedestres

O hotel que teria trocado pelo Ryokan
sem pensar duas vezes
A original "campaínha" do hotel

Viajar de comboio no Japão


Uma das minhas maiores preocupações durante
a estadia no Japão foi: "Não posso perder este
passe por nada deste mundo!"


Ainda bem que os japoneses tiveram a feliz ideia de criar o Japan Rail Pass, um passe de 7, 14 ou 21 dias só para turistas que permite viajar ilimitadamente em quase todos os comboios de alta velocidade da companhia JR, incluindo o trem bala Hikari/Kodama, os comboios Narita Expresso (aeroporto de Narita- Tóquio), o Haruka (aeroporto de Osaka- Osaka e Osaka-Quioto), os autocarros JR e a Yamanote Line (linha que liga os principais pontos turísticos de Tóquio). Caso contrário, seria necessário pagar uma autêntica fortuna para percorrer distâncias de comboio. Já aqui referi várias vezes que o Japão pratica preços estupidamente acessíveis na hotelaria e na restauração, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa. Mas os comboios são a excepção. Não são caros, são caríssimos. Os preços dos bilhetes são de tal forma elevados que basta num só dia viajar no comboio bala de Tóquio para Quioto e regressar para que o passe fique quase amortizado.  O passe também não é barato. O de 7 dias custa 228 euros, o de 14 custa 364 e o de 21 custa 465. Estes são os preços para viajar em carruagens normais, existem outros preços mais puxadotes para quem adquirir um passe para viajar em primeira classe. Mas garanto-vos que o conforto é de tal ordem que deve meter inveja a muita primeira classe que existe por esse mundo fora.


Existem marcas no chão para que os passageiros
se organizem em filas de espera civilizadamente. 

Voltando ao passe, eu comprei o mais barato, de uma semana, através do representante da JR em Portugal e passados quatro dias já o tinha na mão. Mas é possível comprá-lo através do site da JR. Depois, basta activá-lo no dia que se quiser, ou no aeroporto de Tóquio Narita ou numa das muitas estações de comboio JR que possuem gabinetes para o efeito. Eu só activei o passe a meio da viagem, porque durante a estadia em Tóquio nos primeiros e nos últimos dias da viagem, andei de metro, usando diferentes companhias, pagando preços perfeitamente normais pelos bilhetes. Activei o passe apenas no dia em que fiz a primeira grande viagem de comboio e depois tentei rentabilizá-lo ao máximo para justificar o dinheiro que dei por ele. E acho que fiz um bom trabalho. Fiz Tóquio/Takayama, depois Takayama/Kanazawa, depois Kanazawa/Quioto e por fim Quioto/ Tóquio. Para fazer estas viagens, usei várias vezes o comboio bala. E se tivesse pago todas estas viagens à parte, acho hoje ainda estaria no Japão a lavar pratos....
Podem confirmar neste link fantástico os preços de vários percursos, através de simulaçõs. e em caso de dúvidas consultem a página de facebook da JR. Em poucas horas, respondem a todas as nossas dúvidas. Eficiência japonesa no seu melhor.
Uma loja que vende caixas Bento para levar
para o comboio. Preço médio: 7 euros.
Uma funcionária de uma estação JR
Quase toda a gente vem equipada com uma
caixinha bento que provavelmente comprou
num  dos shoppings da estação.
A passageira mais fofa da minha carruagem
Dentro dos comboios também se vendem
snacks e bebidas.


Usar o Japan Rail Pass permite pois fazer grandes distâncias num curto espaço de tempo e com um nível de conforto maravilhoso. Alguns exemplos que mostram como é possível, num só dia, viajar de manhã de uma cidade para outra a mais de 500 kms, para ir dar um passeio, e voltar ao final do dia:

Tóquio- Nagoya - 376 km - Faz-se em 105 minutos
Tóquio- Quioto - 535 km - Faz-se em 140 minutos
Quioto - Hiroshima- 380 km - Faz-se em 120 minutos
Tóquio- Aomori- 717 km  - Faz-se em  235 minutos

Não é preciso reservar lugar, basta aparecer na estação e esperar pelo próximo comboio, entrando na carruagem dos lugares não reservados. Há sempre comboios a passar. Só na viagem para Takayama é que tive de esperar algum tempo entre Nagoya e Takayama. Mas como as estações de comboio têm sempre mega shoppings onde facilmente nos distraímos a ver pessoas, lojas e, principalmente, no meu caso, a observar os hábitos alimentares, nem dei pelo tempo passar. E aproveitei para comprar comida para a viagem.



Se o percurso Tóquio Nagoya não tem grande piada - a paisagem é desordenada e o caos urbanístico tem pouco ou nenhum encanto - a viagem de Nagoya para Takayama foi surpreendentemente bonita. Takayama fica numa zona montanhosa também designada por "Alpes Japoneses". O casario vai dando lugar a plantações de chá, montanhas, pontes, rios, riachos e algumas centrais eléctricas que tiram partido das milhentas nascentes de água que existem no Japão. De Nagoya até Takayama foram duas horas e meia de viagem de pura contemplação. Reparem como a paisagem se foi alterando.




Enquanto eu contemplava a paisagem, a minha amiga S. teve a sorte de se sentar ao lado de uma japonesa sexagenária muito simpática que já tinha sido professora de inglês e por tal falava bem a língua (uma raridade)  e com quem pode trocar impressões ao longo de duas horas de paleio. Ficámos a saber que, apesar da pontualidade japonesa, por vezes há atrasos nos comboios porque, de quando em quando, há quem resolva atirar-se para a linha para acabar com o sofrimento em que vive. Consta que ser trucidado está no top dos métodos suicidas e já ninguém se espanta quando um comboio tem de parar para que retirem alguém dos carris...




A cidade de Gifu, famosa pelas termas.





Quando chegámos a Takayama já era de noite. Mas o final do dia ainda prometia animação, porque a  cidade estava no seu primeiro dia de festa. A ansiedade era enorme, afinal, a viagem ao Japão fora planeada em torno desta datas precisamente para apanhar o Takayama Matsuri, um evento de celebração da estação que tem lugar entre 9 e 10 de Outubro, no Outono, e entre 14 e 15 de Abril, na Primavera. Este é um dos principais festivais nipónicos e todos os anos atrai milhares de visitantes vindos de todo o Japão. E neste ano, até atraiu visitantes vindos de Portugal. 

Gonpachi: o Restaurante do filme Kill Bill



Para a despedida de Tóquio, decidimos fazer um jantar diferente e ir a um local menos autêntico em termos de clientela mas com uma decoração fantástica e a particularidade de ter servido de inspiração ao Quentin Tarantino, um cliente frequente da casa, para uma cena do seu famoso filme Kill Bill. Fomos jantar ao Restaurante Gonpachi, em Roppongi, o bairro das embaixadas, logo um dos bairros da cidade onde nos cruzamos com mais ocidentais. 

A "hall of fame" com algumas das vedetas que já passarem pelo restaurante
Encontrámos facilmente o restaurante, que fica a uns 10 minutos a pé da estação de metro de Roppongi. É um local famoso que atrai muitos turistas. E bastou entrar lá dentro para ver uma série de ocidentais, a maior parte deles engravatados e acompanhados de japoneses. Muita gente com pinta de homem de negócios com muitos yenes na carteira. E apesar do restaurante estar cheio, não demorou muito tempo aparecer um empregado simpático para nos arranjarem uma mesa no piso de cima, onde é preciso tirar os sapatos. 


Os preços, tendo em conta a fama, até nem são muito caros, as doses é que são relativamente pequenas. Mas também não foi pela comida que lá quisemos ir. Foi mesmo para nos sentirmos dentro do cenário do filme. E o cenário é ultra acolhedor, cheio de lanternas e com uma animação como nunca tinha visto até então. Gargalhadas, pessoas a falar alto, burburinho constante, empregados atarefados de um lado para o outro. Bem distinto do ambiente zen da maioria dos restaurantes onde estive. Mas foi sem dúvida uma forma diferente de fazer a despedida desta cidade onde sei que um dia quero voltar. 

Tóquio à noite é ma-ra-vi-lho-sa!



A Torre de Tóquio é uma das principais atracções turísticas da cidade. Foi construída em 1958 e tem 333 metros de altura, ou seja, mais 13 metros que a Torre Eiffel. É impossível não reparar nela porque enquanto passeamos pela cidade é frequente avistá-la. Desta vez, resolvi subir ao observatório principal, a 150 metros de altura. 

Vale a pena pagar 820 yenes (cerca de 8 euros) para ver a vista do primeiro observatório quando no obsercatório do Edifício Governamental de Shinjuku podemos ver a cidade gratuitamente? Vale pois, principalmente se fizermos pontaria para a hora em que começa a anoitecer para podermos contemplar de uma só vez a vista com alguma luz do dia e a transição para a vista nocturna. E a vista da Baía de Tóquio é absolutamente espectacular! Se a cidade de dia não tem grande encanto, ainda que seja muito interessante e não me importasse nada de lá ir todos os anos, à noite a profusão de flashes e néons é de cortar a respiração!!!  Tóquio - 10 (dez), Nova Iorque- 0 (zero). É que nem há comparação.







Uma das coisas que achei mais curiosas tanto aqui, na Torre de Tóquio, como nalguns armazéns e centro comerciais que visitei, foram as meninas de farda colegial cuja profissão consiste em estar de braços cruzados a dar as boas vindas quem passa. Qual será o cargo que vem referido no recibo de ordenado? "Técnica Superior de Acolhimento?" "Profissional do Sorriso"? E passando esta barreira de meninas, surge outra categoria igualmente  interessante, a das meninas do elevador que nos voltam a dar as boas vindas durante uns três minutos sem parar de falar e depois, plim, carregam num botão! "Técnica Superior de Pressionamento". E assim se impressionam os turistas, contribuindo para diminuir a taxa de desemprego no Japão. As estatísticas agradecem.

Mesmo ao lado da Torre de Tóquio fica o Templo Zojoji,
um dos maiores da cidade.

Para terminar as minhas impressões nocturnas sobre a cidade, falta apenas referir que desta vez fui três vezes sair à noite. Fui assistir a dois espectáculos de música ao vivo, um em Shinjuku Koenji e outro em Shibuya, e fui a uma discoteca em Roppongi. Os preços são um pouco mais caros do que em Portugal, mas não muito mais. Um bilhete para um concerto ronda os 45 euros. Gostei particularmente do concerto dos Deerhoof em Shibuya, mas estranhei imenso a forma contida como os japoneses se divertem. Se fosse em Portugal, estaria tudo eufórico, aos pulos, a dançar e a cantar as letras das canções. A gritar por mais e a vibrar com cada frase pronunciada pelos elementos da banda. Neste aspecto, achei os japoneses um público demasiado certinho. Um "estágio" em terras lusas só lhes ia fazer bem. Ainda assim, em Roppongi, estivemos à conversa com umas miúdas que pareciam fugir ao padrão e que nos confessaram o sonho de um dia poderem vir a Portugal para participar no Boom Festival.  


Os Deerhoof ao vivo no espaço WWW
A sala de espectáculos WWW em Shibuya

Fórum Internacional de Tóquio, uma obra prima mundial da Arquitectura






O Fórum Internacional de Tóquio é um edifício de tal modo espectacular que fiz questão de o rever nesta minha segunda viagem ao Japão. Trata-se uma pavilhão multiusos do arquitecto Rafael Vinoly, um uruguaio que vive nos EUA, inaugurado em 1996. Uma combinação impressionante de ferro e vidro com um tecto que se assemelha propositadamente ao casco de um navio. É sem dúvida um dos edifícios mais extraordinários da cidade. Fica entre a Tokyo Station e a Yurakucho Station, a uma curta caminhada do Palácio Imperial. Revisitei este Fórum à hora de almoço e foi engraçado ver as carrinhas de comida a chegar a um pequeno pátioexterior onde outras carrinhas já serviam doses generosas de comida a vários trabalhadores da área. A profusão de odores acabou por me prender ao local decidi almoçar ali numa das mesas e bancos que existem ao dispor dos clientes. Havia uma carrinha que só servia noodles, outra que só servia pratos de arroz, outra só de pratos de caril, outra de comida turca... Enfim, havia muito por onde escolher e o preço médio de uma refeição era idêntico em todas elas: cerca de 6 euros, apenas. É incrível como se consegue comer tão bem e barato em qualquer parte desta cidade.