Shichi-Go-San: uma tradição secular japonesa

Não houve nenhuma criança que não se deixasse fotografar. Pelo
contrário, até faziam pose e sorrisos rasgados para a câmara.


As malinhas, supostamente, contêm Chitose-ame ("guloseima dos mil
anos de longevidade"), oferecidas pelos pais

Para muitas crianças, esta é a primeira vez que vestem um kimono
tradicional


Além de ter esbarrado com vários casamentos no Templo Meiji, num domingo de Outubro, tive também a sorte de apanhar um fim de semana próximo do 15 de Novembro, data em que se celebra o Shichi-Go-San.   Mas como este dia não é feriado nacional, são muitas as famílias que o celebram nos fins de semana anteriores e posteriores. Há oito anos atrás, na mesma altura do ano, tinha delirado com as crianças nos templos, vestidas com trajes tradicionais. autênticas bonequinhas! Mas não sabia qual era o significado desta tradição até um japonês me explicar que, durante o shogunato Kamakura (1185-1333), a mortalidade infantil era muito elevada em crianças de 7, 5 e 3 anos. Shichi-Go-San significa isto mesmo, 7, 5, 3. Raparigas de 3 e 7 anos e rapazes de 3 e 5 anos vestem os seus melhores trajes, por vezes alugados, para irem aos templos agradecer o facto de estarem vivos e de boa saúde e também para pedirem uma longa vida. Nos países asiáticos, os números ímpares estão frequentemente associados à boa sorte.

Dá vontade de pegar neles e trazer connosco para casa....

Casamento tradicional japonês no templo Meiji

Cerca de 60 % dos casamentos japoneses são xintoístas, 30% são
católicos e o restantes são budistas.
Há sempre a alguém a compor o pesado traje da noiva. O chapéu branco
 simboliza a obediência da mulher ao seu marido.
A cerimónia xintoísta é curta. Os noivos ajoelham-se junto a um altar,
são purificados com incenso, ouvem as preces de um sacerdote, bebem
saké, fazem a leitura do seishi (juras de amor e fidelidade), trocam
alianças e fazem oferendas aos Deuses.


Se há programa obrigatório num domingo em Tóquio (mesmo sendo a minha segunda vez) é passar umas horas, senão mesmo um dia inteiro, no triângulo Templo Meiji / Rua Takeshita e jardins de Harajuku com a a sua fauna juvenil / Lojas de babar da Rua Omotesando. São tudo locais que pertencem ao bairro de Shibuya e que ficam a uma distância razoável a pé uns dos outros. Qualquer um destes locais deles garante doses generosas de espanto e contemplação a custo zero. 

Os convidados vestem roupa tradicional de cores escuras e oferecem dinheiro
aos noivos. Amigos oferecem  cerca de 30 mil yenes (300 euros), a família 50 mil
e os padrinhos (coitados...) oferecem cerca de 100 mil. O dinheiro, de preferência
em notas novas, é colocado em envelopes  com o nome de quem o oferece.

O meu domingo começou no Templo Meiji por volta do meio-dia, onde sabia que era certinho apanhar um casamento tradicional japonês. Tive sorte, apanhei logo cinco em simultâneo! Nem sabia para que lado me virar a tirar fotografias! Para onde quer que me virasse, lá estava um agrupamento de pessoas em redor de uma mulher vestida de branco. As noivas vestem-se com quimonos de seda branca - o shiromuku - por ser esta a cor do luto do Japão, simbolizando assim a morte dela para a sua família e a passagem para o clã do marido. Interessante... Aquele devia ser um domingo especial porque li mais tarde que os noivos costumam escolher datas relevantes do calendário japonês para casar ( normalmente, escolhem-se datas da Primavera e Outono). Para ajudar à festa, estava um dia lindo, cheio de sol, e uns agradáveis 24 graus.  

As noivas usam maquilhagem branca, peruca e uma touca e os noivos usam
 uma réplica dos kimonos dos samurais do séc. XIX, com o brasão da família.

Os casamentos tradicionais japoneses custam uma pequena fortuna. Enquanto em Portugal há quem consiga fazer uma festa decente por 15/20 mil euros, no Japão nunca custa menos de 50 mil euros e pode facilmente custar muito mais. As famílias, que muitas vezes combinam os casamentos entre si à revelia dos noivos (ainda acontece, por estranho que pareça)  têm de poupar muito dinheiro para poderem comprar vários  trajes de seda, já que é frequente a noiva mudar de roupa umas quatro vezes ou mais, consoante o seu status. Depois, há que pagar os álbuns de fotografias (bem maiores do que é costume no Ocidente), as ofertas aos convidados (peças de cerâmica, de um modo geral) e o banquete, ainda que as doses de comida sejam bem mais modestas do que nos casamentos ocidentais. Para este banquete, convidam-se mais pessoas do que para a cerimónia religiosa: amigos, vizinhos e colegas de trabalho.




A loja de souvenirs do Templo Meiji

As placas de madeira contêm desejos e são compradas para depois serem
penduradas nestes suportes. 


Barris de saké oferecidos por empresas japonesas aos templos na expectativa
de virem a ter prosperidade nos seus negócios.

O Tori (porta principal) do Templo Meiji

Kawaii: o culto japonês do "fofinho"


Uma "Lolita" de ar inocente. Quase todas andam de sombrinha para
se protegerem do sol porque quanto mais branquelas forem, melhor.

É raro o cartaz publicitário que não tem bonequinhos
Um carro numa exposição ao ar livre em Odaiba  (a margem sul de Tóquio)

Cartaz publicitário de uma casa de massagens
Compotas de fruta em embalagens que lembram biberons
O aviso de existência de Wi-Fi
Meninas de estilo colegial
Uma das muitas lojas que faz tratamentos às pestanas para
abrir mais os olhos. E vendem-se pestanas falsas em todas as esquinas!
A maior parte das máquinas de jogo tem bonecada para tentar apanhar.

Se tivesse de definir o Japão em três palavras, seriam "respeito", "harmonia" e "infantilidade".  São tudo facetas marcantes deste país que irei abordar ao longo das próximas semanas, senão meses (tenho tanto, mas tanto para contar!).  No país do sol nascente existe um fascínio brutal pela infância e a adolescência. E este deslumbramento está presente no dia a dia nas mais variadas formas. no design gráfico, na moda, na publicidade, na comida, na música e até na entoação que se dá à fala. É algo que nos desconcerta e nos intriga, até porque parece envolver algo de pedófilo, dada a proliferação de "Lolitas" por metro quadrado. Como se a idade perfeita das mulheres fossem os 10 anos. Freud deveria ter uma explicação...


Elefante num jardim em Ginza
Pãezinhos doces em forma de ursinho

Nunca, como no Japão, vi tantas máquinas de jogos que pemitem "pescar"peluches, tantas mascotes "quiduchas" em tudo o que é cartaz publicitário, tantos adultos a jogar Playstation nos transportes públicos, tantas mulheres com vestes de boneca ou look colegial e tantos rapazes maiores de 18 com peluches agarrados às mochilas. Até mesmo serviços mais "macho", como esquadras de polícia e forças militares, têm mascotes fofinhas de ar ternurento nos seus cartazes! Ora isto despertou-me a curiosidade e lá fui eu pesquisar à net o motivo que leva esta gente a sentir-se tão fascinado pela inocência, pureza, ternura, beleza e delicadeza. Impera assim o culto "kawai", o culto do "fofinho". E é claro que existem motivos para tal, sendo o mais convincente de todos o facto dos japoneses mudarem radicalmente de estilo de vida quando começam a trabalhar. Existe uma perda de liberdade tal que isto faz com que as pessoas coloquem os símbolos da infância e da juventude num pedestal. Afinal, ser muito jovem é ser livre e independente. Ou seja, o oposto do que se passa na sociedade ocidental onde começar a trabalhar significa, muitas vezes, ganhar asas para voar. Estranho, não é? Mas é isto que se passa. E a verdade é que o Japão não seria o Japão sem todos este folclore imagético que nos faz andar, permanentemente, de boca aberta. Uma bofetada cultural no seu melhor!


Autocarro lunminoso com mascotes de olhos grandes  à ocidental
No país dos pormenores, até as tampas de esgoto têm desenhos. 


Não há metro como o de Tóquio!

Uma imagem típica. tudo agarrado aos seus telemóveis concha. Vi muito
adulto com idade para ser meu avô a jogar no telemóvel.
Outra imagem corrente, como se pode ver ao fundo e à direita,
são as pessoas que usam máscaras para não pegarem as suas
doenças a osoutros. 

Barreiras anti-suicídio. num país onde a taxa de incidência dá que pensar...
As pessoas encostam-se sempre à esquerda,
para dar passagem à direita a quem tem pressa.
Um dos meus passatempos preferidos nos transportes era ver as modas.
Esta, em particular, intrigava-me... Porque raio andam tantos rapazes com
peluchinhos fofinhos pendurados nas mochilas?


Aterrei no aeroporto de Narita às 8h30, fresca que nem uma alface porque tinha dormido cinco das 20 horas da viagem (e sem recurso ao amigo Xanax) e a adrenalina da chegada a um destino tão desejado estava funcionar como um shot de energia à prova de jet lag. Foram 12 horas de voo de Frankfurt para Tóquio, que se fizeram até muito bem, graças aos filmes, documentários, jornais e cusquice do avião, um A 310, novidade para mim. Depois de recolher a bagagem, estudámos as várias hipóteses de chegar ao centro da cidade de transportes públicos , já que os táxis são proíbitivos para longas distâncias. A escolha recaiu num combinado de comboio + metro. Uma hora e meia de viagem até Shinjuku, mais cinco minutos de táxi até ao nosso hotel, no bairro de Kabuki Cho, a "red light district" de Tóquio. O trajecto desde o aeroporto até quase ao centro da cidade não tem nenhum encanto especial. Os arredores da cidade são cinzentõe e algo caóticos, com imensas casas coladinhas umas às outras, sem nenhum sentido estético. O terreno em Tóquio e arredores é demasiado caro para deixar muito espaço livre entre as casas. Mas olhar para dentro das carruagens também é interessante. São bem visíveis vários exemplos de civismo que deixam saudades quando regressamos a casa. Ninguém fala ao telemóvel dentro dos transportes, para não incomodar o próximo. Ninguém deita lixo para o chão nem cola pastilhas elásticas aos bancos. E o melhor de tudo, ninguém anda sujo e andrajoso. As pessoas aparentam andar calmas, sem stress, arranjam-se bem e penteiam-se ainda melhor. Andam todas com um ar tranquilo, limpo e perfumado. Ora tudo isto, juntamente com a reduzida taxa de criminalidade deste país, ajuda, e muito, a criar uma sensação imediata de segurança e bem-estar. De facto, é uma pena o Japão ser tão longe e a língua ser uma barreira tão grande. Porque neste meu segundo regresso ao Japão, dei por mim, uma vez mais, a chegar a uma conclusão. Podia ser muito feliz a viver aqui.


Existem milhentas linhas de metro em Tóquio, de diferentes empresas. Mas a
orientação é relativamente fácil e os bilhetes são bastante acessíveis. Existem também
passes de um dia que variam entre os 7 e os 10 euros.

Uma das perguntas que mais me fazem sobre o Japão, logo a seguir à pergunta top ("É tudo caríssimo, não?") é se nos conseguimos orientar bem nos transportes. Conseguimos sim, sem problemas. Todas as indicações, quer na rua quer nos transportes, estão escritas nos dois alfabetos, no deles e no nosso. E os japoneses sabem ler o nosso sem dificuldade. Para ajudar ainda mais, além dos mapas das paragens/estações bem visíveis em vários locais, tanto o metro, como o comboio e os autocarros usam avisos sonoros em japonês e em inglês a indicar a próxima paragem. São avisos bem engraçados porque são sempre acompanhados de agradecimentos ("obrigado" e "por favor" são palavras que nunca mais esquecerei como se dizem em japonês...)e de uma musiquinha que parece ter sido criada para adormecer bebés. E claro, em caso de dúvidas sobre como se chega a um certo local ou se precisarmos de confirmar se estamos no local certo ou no transporte certo, temos sempre as pessoas com quem nos cruzamos na rua para pedir ajuda. E a este nível, nunca conheci nenhum povo tão prestável! Conseguem imaginar um condutor de autocarro a sair seu lugar para ir mostrar a uns turistas a direcção que devem seguir para ir dar o local "x", deixando os passageiros à espera por uns breves segundos, sem que estes reclamem? Pois... bem me parecia.


O meu regresso ao Japão!




Em meados de Abril de 2012, decidi que iria fazer uma viagem grande, para um local bem distante, algures entre Outubro e Dezembro. Começava então uma das melhores fases de qualquer viagem, a preparação. "Para onde é que hei-de ir?", perguntei-me então. As possibilidades eram mais que muitas e mudei de ideias algumas quinhentas vezes. Quando a liberdade de escolha é grande, a minha cabeça baralha-se... Mas sabia que queria ir para um local diferente, com um passado histórico relevante e, de preferência, que tivesse alguma ligação com a História de Portugal. A escolha acabou por recair na Índia e em cerca de duas semanas defini o programa para 15 dias de viagem, uma semana em Goa e outra em Kerala, com uma curta paragem em Bombaim. Agora só faltava estar atenta às newsletters da British Airways, da Air France, da KLM e da Lufthansa (recebo estas todas e ainda mais algumas) para apanhar um bilhete para Bombaim a bom preço, algo entre os 500 e os 600 euros. Um preço relativamente fácil de encontrar nas promoções destas companhias, se andarmos atentos. Fiquei à espera do tal preço-maravilha. Mas o tempo foi passando e os bilhetes não desciam dos 800. Continuei à espera de uma oferta mais tentadora, até que acabou mesmo por aparecer uma, mas ... para Tóquio! Já lá tinha estado há sete anos e meio atrás e, por sinal, tinha sido a viagem mais marcante da minha vida. Uma experiência inesquecível ao ponto de me lembrar dos nomes dos bairros por onde andei, dos nomes de algumas ruas, do nome de pratos típicos, do hotel, dos preços que paguei, enfim, como se estivesse lá estado há alguns meses atrás. Ou seja, andei uns dias a bater mal, sempre a pensar no número 600 que se afigurava, cada vez mais, como uma possibilidade com tudo para se tornar real. Dei por mim a devorar informação sobre o Japão: festividades de Outono, gastronomia, vilas históricas ao alcance dos comboios da companhia JR.... Percebi que estava em pulgas para lá voltar! Uns cinco dias depois de receber a newsletter da Lufthansa, fui fazer simulações de preço e confirmava-se a suspeita. Ainda havia lugares a 600 euros. E um belo dia cheguei a casa radiante e gritei com os bilhetes na mão e um sorriso do tamanho do mundo: "Vamos outra vez ao Japão!!!". A Índia pode esperar.



A pequena cidade escocesa de Jedburgh





Embora tenha aparência medieval, este castelo é do séc. XIX. começou por
ser uma cadeia mas agora é um museu sobre a cidade .

A Abadia de Jedburgh foi fundada em 1138



Jedburgh não tem grande destaque nos guias turísticos. Mas a recepcionista do hotel onde ficámos em Edimburgo sugeriu-nos que o regresso para Manchester fosse feito por uma estrada que passava nesta pequena cidade. E uma vez que não queríamos repetir a estrada que nos tinha trazido à Escócia, nem hesitámos em seguir esta recomendação. Afinal,, apesar de estarmos já na recta final da viagem, até chegar ao aeroporto ainda é viagem!

Visita relâmpago ao porto de Edimburgo

O Royal Yatch Britannia






Leith. É assim que se chama a zona do porto do Edimburgo, a nordeste do centro da cidade. Para lá chegar, pode-se fazer uma caminhada pela Leith Walk de cerca de 40 minutos ou descer esta rua de carro em cerca de 15. Chegando lá abaixo, deparamos com uma zona outrora degradada que se encontra agora repleta de condomínios de luxo e restaurantes finos. A principal atracção deste bairro é o Royal Yatch Britannia , no Ocean Terminal, que serve de residência oficial à Raínha quando esta visita Edimburgo.
Do histórico porto de Edimburgo (durante séculos, negociaram-se aqui mercadorias com países da Escandinávia e do Báltico), vou guardar na memória imagens de um local extremamente tranquilo, onde os turistas se contavam pelos dedos de uma só mão. Deu para perceber que a recuperação de antigos armazéns de mercadores, agora transformados em habitação, escritórios e restaurantes de luxo. E a nossa ideia era jantar num destes restaurantes de peixe. Mas os preços eram para lá de assustadores. Por isso, fizemos uma voltinha a pé de reconhecimento da zona, rodámos os calcanhares e fomos para o início da Leith Walk onde comemos lindamente e por um excelente preço numa pequena tasca indiana, rodeados de indianos por todos os lados e ao som de música indiana. E avaliar pela quantidade de famílias indianas que se vêem nesta cidade, posso até dizer que este foi um jantar tipicamente escocês.